Neste artigo de Domenico Losurdo, está bem definido o cenário, falsamente pautado no combate às "violências da ditadura" contra os opositores. Não é isso que está em causa nessa nova versão das Cruzadas, até porque todas as tiranias vizinhas - aliadas incondicionais dos Estados Unidos na sua política contra a Siria - se sentem à vontade para se manter no seu comportamento repressivo contra seus opositores, e continuar vendo seus governantes serem tratados como "reis", "califas"e até "presidentes", como esse facínora Saleh, do Yemen.
Seguem o artigo de Domenico Losurdo, colocando os pontos nos is, e uma correspondência do professor Ramez Tabet, um dos principais especialistas de Oriente Médio, insuspeito de qualquer simpatia pré-concebida, em função de suas análises nada lenientes em relação aos governos árabes, inclusive o de Assad.
Domenico Losurdo
24.11.2011
Qual a natureza do conflito que desde há meses assola a Síria? Com este
artigo é meu intuito suscitar em todos os que defendem a causa da paz e da
democracia nas relações internacionais algumas perguntas elementares. Pela
minha parte, tratarei de responder dando a palavra a órgãos de imprensa e
jornalistas insuspeitos de qualquer cumplicidade com os dirigentes de Damasco.
1)
Ocorre antes de mais nada perguntar qual a situação deste país do Médio
Oriente antes da chegada ao poder, em 1970, dos Assad (pai e filho) e do regime
actual. Pois bem, antes daquela data, «a república síria era um estado débil e
instável, um palco para as rivalidades regionais e internacionais»; os
acontecimentos dos últimos meses significam de fato o regresso à «situação
anterior a 1970». Quem se expressa nesses termos é Itamar Rabinovich,
ex-embaixador de Israel em Washington, no International Herald Tribune
de 19-20 de Novembro. Podemos extrair uma primeira conclusão: a rebelião
apoiada em primeiro lugar pelos EUA e pela União Europeia pode fazer a Síria
retroceder a uma situação semicolonial.
2)
As condenações e sanções do Ocidente e a sua aspiração a uma mudança de
regime na Síria estão inspiradas na indignação pela «repressão brutal» de
manifestações pacíficas, uma repressão exercida pelo poder? Na realidade, já em
2005 «George Bush pretendia derrubar Bashar al-Assad». Continuam a ser palavras
do ex-embaixador israelita em Washington, o qual acrescenta que agora o governo
de Telavive se juntou a esta política de regime change na Síria: há que
acabar de uma vez por todas com o grupo dirigente que a partir de Damasco apoia
«o Hezbollah no Líbano e o Hamas em Gaza» e estreita relações com Teheran. Sim,
«profundamente preocupado pela ameaça iraniana, Israel é de opinião de que, se
retirar o tijolo sírio do muro iraniano, a política regional poderia entrar
numa nova fase. É evidente que o Hezbollah, tal como o Hamas, se movem agora
com mais cautela». De modo que o alvo da rebelião e das manobras com ela
relacionadas não é apenas a Síria, são também a Palestina, o Líbano e o Irã:
trata-se de desferir um golpe decisivo na causa do povo palestinio e de
consolidar o domínio neocolonial de Israel e do Ocidente numa região de crucial
importância geopolítica e geoeconómica.
3)
Como atingir este objectivo? Guido Olimpio, no Corriere della Sera
de 29 de Outubro, explica-o claramente: em Antakya, uma região da Turquia
confinante com a Síria, opera já o «Exército Livre Sírio, uma organização que
pratica a luta armada contra o regime de Assad». É um exército que recebe armas
e instrução militar da Turquia. Além disso (continua Guido Olimpio no Corriere
della Sera de 13 de Novembro), Ankara «ameaçou criar uma faixa tampão de 30
quilómetros em território sírio». Vemos pois que o governo sírio tem de fazer
frente não apenas a uma rebelião armada, mas a uma rebelião armada apoiada por
um país que dispõe dum dispositivo militar de primeira ordem, que é membro da
NATO e que ameaça invadir a Síria. Quaisquer que sejam os erros ou as culpas
dos seus dirigentes, este pequeno país está a sofrer, de facto, uma agressão
militar. A Turquia, que tem tido um período de forte crescimento económico,
desde há algum tempo dá mostras de impaciência relativamente ao domínio de
Israel e dos EUA no Oriente Médio. Obama responde a essa impaciência empurrando
os dirigentes de Ankara para um sub-imperialismo neo-otomano, controlado
evidentemente por Washington.
4)
Da análise e dos testemunhos trazidos depreende-se que a Síria se vê
obrigada a lutar em condições muito difíceis para a manutenção da sua
independência, fazendo face a um formidável bloqueio económico, político e
militar. Além disso, a OTAN ameaça direta ou indiretamente os dirigentes de
Damasco com a possibilidade de lhes reservar o mesmo fim que teve Khadafi, o
assassínio e o linchamento. A infâmia da agressão devia pois ser evidente para
todos os que estão dispostos a fazer ao menos um pequeno esforço intelectual.
E, todavia, o Ocidente, valendo-se da sua terrível potência de fogo mediático e
das novas técnicas de manipulação proporcionadas pelo desenvolvimento da
Internet, apresenta a crise síria como um exercício de uma violência brutal e
gratuita contra manifestantes pacíficos e não-violentos. Não há quaisquer dúvidas
de que Goebbels, o pérfido e brilhante ministro do III Reich, deixou escola. Há
que reconhecer, aliás, que os seus discípulos de Washington e Bruxelas
conseguiram superar o nunca olvidado mestre.
Tradução de João Carlos Graça
Prezados amigos,
Enquanto as forças armadas egípcias exterminam os manifestantes que pedem o fim da ditadura - ações que incluem ataques aéreos contra civis -, os conflitos na Síria continuam.
Há quem diga que a ditadura de Assad esteja massacrando civis desarmados. A verdade é bem diferente, segundo fontes pró-ocidentais. Está havendo uma verdadeira guerra civil de baixa intensidade entre grupos armados e as forças governamentais. Estes grupos armados estão assassinando e mutilando as populações cristãs e alauítas da Síria. Tais grupos são armados e ou pagos pela Arábia Saudita, EUA e Israel. A resposta do governo de Damasco não é menos brutal.
Turquia, membro da OTAN, já ameaçou atacar a Síria.
Defendo a ideia de que a Síria tem o direito de se defender como melhor lhe convier.
Se Turquia atacar a Síria, o governo de Damasco deve usar os (todos os) meios que forem necessários para neutralizar as forças turcas e seus aliados regionais, incluindo Israel, que ocupa território sírio (as Colinas de Golã). Se Bassar Assad não defender seu país, merecerá ter o mesmo destino dos ex-colegas do Iraque e da Líbia.
Abs.,
Ramez
Prezados amigos,
Enquanto as forças armadas egípcias exterminam os manifestantes que pedem o fim da ditadura - ações que incluem ataques aéreos contra civis -, os conflitos na Síria continuam.
Há quem diga que a ditadura de Assad esteja massacrando civis desarmados. A verdade é bem diferente, segundo fontes pró-ocidentais. Está havendo uma verdadeira guerra civil de baixa intensidade entre grupos armados e as forças governamentais. Estes grupos armados estão assassinando e mutilando as populações cristãs e alauítas da Síria. Tais grupos são armados e ou pagos pela Arábia Saudita, EUA e Israel. A resposta do governo de Damasco não é menos brutal.
Turquia, membro da OTAN, já ameaçou atacar a Síria.
Defendo a ideia de que a Síria tem o direito de se defender como melhor lhe convier.
Se Turquia atacar a Síria, o governo de Damasco deve usar os (todos os) meios que forem necessários para neutralizar as forças turcas e seus aliados regionais, incluindo Israel, que ocupa território sírio (as Colinas de Golã). Se Bassar Assad não defender seu país, merecerá ter o mesmo destino dos ex-colegas do Iraque e da Líbia.
Abs.,
Ramez
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