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Jornalista, por conta de cassação como oficial de Marinha no golpe de 64, sou cria de Vila Isabel, onde vivi até os 23 anos de idade. A vida política partidária começa simultaneamente com a vida jornalística, em 1965. A jornalística, explicitamente. A política, na clandestinidade do PCB. Ex-deputado estadual, me filio ao PT, por onde alcanço mais dois mandatos, já como federal. Com a guinada ideológica imposta ao Partido pelo pragmatismo escolhido como caminho pelo governo Lula, saio e me incorporo aos que fundaram o Partido Socialismo e Liberdade, onde milito atualmente. Três filh@s - Thalia, Tainah e Leonardo - vivo com minha companheira Rosane desde 1988.

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

“Contradições da direita e fragmentação da esquerda abrem cenário para que tudo possa acontecer”


Mais uma de­núncia de cor­rupção contra o pre­si­dente Mi­chel Temer é en­ca­mi­nhada à Câ­mara dos De­pu­tados, apro­vada pelo STF por 10 votos a 1. Ao lado disso, Ra­quel Dodge as­sume o lugar de Ro­drigo Janot na Pro­cu­ra­doria Geral da Re­pú­blica, o que en­sejou co­men­tá­rios sobre o es­fri­a­mento das in­ves­ti­ga­ções da Lava Jato. De outro lado, um clima de de­sen­canto ge­ne­ra­li­zado inibe qual­quer ação po­lí­tica. Sobre este quadro, en­tre­vis­tamos Milton Temer, ex-de­pu­tado fe­deral entre 1998 e 2006.

“Vou ser bom­bar­deado por meus ca­ma­radas, e até amigos, ainda dentro do neoPT, mas vejo esse fenô­meno como se­quela in­con­tes­tável do pe­ríodo de co­op­tação pelo lu­lo­prag­ma­tismo. Quando Lula hoje se con­si­dera traído por Pa­locci, ele não pode negar que foi com Pa­locci em par­ceria com o então recém-eleito de­pu­tado tu­cano Hen­rique Mei­relles, a quem en­tregou o Banco Cen­tral de­pois de reu­niões com Deus sabe quem nos Es­tados Unidos, que co­meteu a grande gui­nada ide­o­ló­gica e pro­gra­má­tica em favor do Pacto Con­ser­vador de Alta In­ten­si­dade”, disse, em alusão à de­fi­nição de André Singer, autor de Os Sen­tidos do Lu­lismo e As con­tra­di­ções do Lu­lismo.

Milton também con­si­dera bra­vata a de­cla­ração do par­tido que venceu as ul­timas quatro elei­ções fe­de­rais sobre boi­cote ao pro­cesso de 2018 caso a par­ti­ci­pação de Lula seja im­pe­dida. “Uma sa­tis­fação à pla­teia. Vá propor isso aos par­la­men­tares fe­de­rais e es­ta­duais, em grande parte trans­for­mados em apa­ratos de re­pro­dução de man­datos... Vá dizer a eles para abrirem mão da pró­xima cam­panha... Eu até acho que eles já estão ope­rando, em­bora ne­guem pu­bli­ca­mente, um plano al­ter­na­tivo de dis­puta ma­jo­ri­tária”, cu­tucou.

E se de um lado ad­mite uma pa­ra­lisia nos se­tores que po­de­riam fazer re­sis­tência a um go­verno pra­ti­ca­mente ze­rado na acei­tação po­pular, de outro en­xerga uma in­con­sis­tência nas ar­ti­cu­la­ções da classe do­mi­nante bra­si­leira, em es­pe­cial nos se­tores que mandam na eco­nomia. “A des­peito das úl­timas de­cla­ra­ções de mi­li­tares, eu me per­gunto: golpe contra quem, quando a de­núncia que fazem é da des­mo­ra­li­zação do go­verno tu­cano-PMDB por cor­rupção?”, in­dagou.

A en­tre­vista com­pleta pode ser lida a se­guir.

Cor­reio da Ci­da­dania: Mais um pro­cesso sobre cor­rupção contra Mi­chel Temer teve seu en­ca­mi­nha­mento au­to­ri­zado pelo STF. Afinal, o que dizer do pre­si­dente? 

Milton Temer: Que na­vega entre a sem-ver­go­nhice e a pa­to­logia mental. Na reu­nião da ONU, inex­pres­siva pelas au­sên­cias, e des­ne­ces­sária pela ameaça de Trump, ficou jo­gado no canto, dando uma única en­tre­vista, para a Reu­ters. En­tre­vista na qual, di­ante do ques­ti­o­na­mento das in­ves­ti­ga­ções sobre cor­ruptos e cor­rup­tores, des­taca o pleno e livre an­da­mento das ins­ti­tui­ções con­cer­nentes, ao mesmo tempo em que as agride quando se trata de seu caso pes­soal e tenta blo­queá-las acin­to­sa­mente nos re­cursos ao Su­premo.

Cor­reio da Ci­da­dania: Como avalia a saída de Ro­drigo Janot e a en­trada de Ra­quel Dodge na PGR?

Milton Temer: A nova pro­cu­ra­dora chega sob sus­peita. Não porque Janot seja in­con­tes­tável, mas pelo fato de ela ter sido es­co­lhida numa lista onde não foi a mais vo­tada. E, o que é mais grave, es­co­lhida sob aus­pí­cios do usur­pador e seus prin­ci­pais par­ceiros na qua­drilha do PMDB, com es­pe­cial des­taque para Sarney.

Quem tem esses pa­dri­nhos, bom su­jeito só será se con­se­guir provar.

Cor­reio da Ci­da­dania: De outro lado, uma enorme apatia po­lí­tica dos grupos que po­de­riam, e che­garam a fazer, re­sis­tência a seu go­verno de re­formas em favor do grande ca­pital. Por quê?

Milton Temer: Vou ser bom­bar­deado por meus ca­ma­radas, e até amigos, ainda dentro do neoPT, mas vejo esse fenô­meno como se­quela in­con­tes­tável do pe­ríodo de co­op­tação pelo lu­lo­prag­ma­tismo. Quando Lula hoje se con­si­dera traído por Pa­locci, ele não pode negar que foi com Pa­locci em par­ceria com o então recém-eleito de­pu­tado tu­cano Hen­rique Mei­relles, a quem en­tregou o Banco Cen­tral de­pois de reu­niões com Deus sabe quem nos Es­tados Unidos, que co­meteu a grande gui­nada ide­o­ló­gica e pro­gra­má­tica em favor do Pacto Con­ser­vador de Alta In­ten­si­dade.

Para quem tem dú­vidas sobre a ve­ra­ci­dade de tal opção, que ia no sen­tido con­trário à Re­so­lução apro­vada no úl­timo en­contro na­ci­onal do PT antes da eleição de 2002, re­co­mendo o livro do porta-voz do Pla­nalto na­quela oca­sião, e até hoje aliado de Lula, André Singer. É ele que dá nome ao Pacto que citei acima, cujo con­tra­ponto seria um Re­for­mismo Fraco, ca­rac­te­ri­zado pela po­lí­tica as­sis­ten­cial sem mu­danças es­tru­tu­rais que marcou todo o pe­ríodo.

Isso pro­vocou um ce­ti­cismo evi­dente em grande parte da so­ci­e­dade civil não fi­liada, mas elei­tora de Lula e do PT, na ló­gica do “che­gando ao poder são todos iguais”. Ce­ti­cismo re­sul­tante do des­gosto com a con­ci­li­ação de classes, pro­vo­ca­dora da des­mo­bi­li­zação brutal, se com­pa­rada com a ação pre­ce­dente contra o man­da­ri­nato de FHC por parte da CUT, da UNE e até do MST.

Fe­liz­mente, temos a Frente Povo Sem Medo, par­ti­cu­lar­mente pelo seu braço mais or­ga­ni­zado – o MTST – re­cu­pe­rando os es­paços da rua.

Cor­reio da Ci­da­dania: O que achou do enun­ciado pe­tista, a dizer que o par­tido boi­co­taria as elei­ções em caso de im­pe­di­mento da can­di­da­tura de Lula?

Milton Temer: Uma sa­tis­fação à pla­teia. Vá propor isso aos par­la­men­tares fe­de­rais e es­ta­duais, em grande parte trans­for­mados em apa­ratos de re­pro­dução de man­datos... Vá dizer a eles para abrirem mão da pró­xima cam­panha... Eu até acho que eles já estão ope­rando, em­bora ne­guem pu­bli­ca­mente, um plano al­ter­na­tivo de dis­puta ma­jo­ri­tária.

Cor­reio da Ci­da­dania: Por que as es­querdas ainda exigem au­to­crí­tica do PT se a nova pre­si­dente do par­tido, Gleisi Hoffman, disse no 6º Con­gresso da le­genda que isso não será feito, uma vez que se teria feito muito pelo Brasil?

Milton Temer: Porque se não houver au­to­crí­tica fi­camos todos na pos­si­bi­li­dade de nos vermos en­vol­vidos em novo es­te­li­o­nato elei­toral – cam­panha ou­sada, com go­verno ren­dido. O que, pelas úl­timas de­cla­ra­ções de Lula – lou­va­ções nos­tál­gicas a Mei­relles e de­cla­ração em en­tre­vista a Da­mous que não re­veria de­ci­sões de go­verno an­te­ri­ores, pa­rece mais que pos­sível. Pa­rece certo.

Cor­reio da Ci­da­dania: Sobre elei­ções, con­corda com o fi­ló­sofo Vla­dimir Sa­fatle, que es­creveu re­cen­te­mente que “não ha­verá 2018”? 

Milton Temer: A si­tu­ação con­tra­di­tória no campo das di­reitas, onde os jor­nais trans­for­mados em par­tidos po­lí­ticos de di­reita – Globo e Es­tadão, es­pe­ci­al­mente – não se acertam quanto ao tra­ta­mento do go­verno de Mi­chel Mi­guel (como Sa­fatle o trata e eu agra­deço), e a es­querda frag­men­tada, en­ro­lada nas pes­quisas fa­vo­rá­veis a Lula, mas sem acordo com suas he­si­ta­ções, e com seus mo­vi­mentos so­ciais mais re­pre­sen­ta­tivos ope­rando em sin­tonia dis­tinta, tudo é pos­sível de acon­tecer. In­clu­sive nada.

Mas afirmar que não ha­verá 2018 me pa­rece um pouco con­tra­pro­du­cente. Por que dei­xaria de haver? Há al­guma in­sur­reição à vista? E quanto aos mi­li­tares? A des­peito das úl­timas de­cla­ra­ções eu me per­gunto: golpe contra quem, quando a de­núncia que fazem é da des­mo­ra­li­zação do go­verno tu­cano-PMDB por cor­rupção?

Cor­reio da Ci­da­dania: Como avalia a questão da re­forma po­lí­tica no Con­gresso, que acaba de vetar o cha­mado dis­tritão? 

Milton Temer: É mais uma prova da de­sor­ga­ni­zação das classes do­mi­nantes e de sua re­pre­sen­tação no covil par­la­mentar. Ti­rando a cláu­sula de bar­reira e a dis­cussão torta sobre co­li­ga­ções, tudo vai con­ti­nuar como dantes no covil des­mo­ra­li­zante.

Cor­reio da Ci­da­dania: O que es­perar para o país nos pró­ximos tempos, em termos po­lí­ticos, econô­micos e so­ciais?

Milton Temer: Ser de es­querda, e assim me man­tenho quase aos 80 anos de vida, é ter ex­pe­ri­ência de ralar no ás­pero. Mas é também vida que já viveu mo­mentos onde a utopia de um outro Brasil, e mundo, pos­sível es­teve bem mais perto. Não de­sa­nimo. Da mesma forma que o ne­o­li­be­ra­lismo aqui chegou de forma tardia, quem sabe, tar­di­a­mente também, a gente con­siga re­petir o que Bernie San­ders, Me­len­chon, Je­remy Corbyn e Pablo Igle­sias estão con­se­guindo, com lutas ex­pli­ci­ta­mente an­ti­ca­pi­ta­listas, na Eu­ropa e nos Es­tados Unidos? Só de­pende de nós. Luta que segue.

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Ga­briel Brito é jor­na­lista e editor do Cor­reio da Ci­da­dania.

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