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Jornalista, por conta de cassação como oficial de Marinha no golpe de 64, sou cria de Vila Isabel, onde vivi até os 23 anos de idade. A vida política partidária começa simultaneamente com a vida jornalística, em 1965. A jornalística, explicitamente. A política, na clandestinidade do PCB. Ex-deputado estadual, me filio ao PT, por onde alcanço mais dois mandatos, já como federal. Com a guinada ideológica imposta ao Partido pelo pragmatismo escolhido como caminho pelo governo Lula, saio e me incorporo aos que fundaram o Partido Socialismo e Liberdade, onde milito atualmente. Três filh@s - Thalia, Tainah e Leonardo - vivo com minha companheira Rosane desde 1988.

domingo, 1 de outubro de 2017

O anacronismo precoce do PSOL
(31/09/17) = Muitos analistas políticos - grupo ao qual me incluo - imaginou, em determinado momento, que o PSOL poderia assumir o espaço que parecia aberto na esquerda com a crise do PT. Embora ainda pouco amadurecido, este partido parecia ter alguns atributos e certa composição interna que poderia caminhar para se tornar uma referência politica importante à esquerda. O obstáculo visível era seu excessivo academicismo de classe média, uma espécie de sina às correntes trotskistas brasileiras: atraía jovens e franjas das classes médias mais intelectualizadas, mas pareciam presas a este círculo social, dificultando ganhar expressão de massas. 
Nas eleições municipais passadas, o PSOL se abriu para os movimentos identitários. Afluíram para esta agremiação lideranças de outros partidos em formação, como o PartidA ou o Raiz Movimento Cidadanista. Muitas lideranças com perfil identitário, de natureza pós-moderna (fragmentários e radicalmente contra a lógica moderna, que denominam de totalitária ou globalizante), se elegeram pelo PSOL. E, a partir daí, o partido passou a patinar. 
Neste momento, o PSOL parece emparedado entre o morenismo de Luciana Genro e a fragmentação pós-moderna dos identitários. Há quem tenha a esperança que este caldo heterogêneo promova o crescimento do partido como ocorreu com o PT dos anos 1980. Entretanto, as histórias partidárias e o momento histórico são absolutamente distintos. 
Nos anos 1980, vivíamos no Brasil um sentimento libertário, de superação daquele regime militar que tudo podia e fazia: matava, perseguia, proibia. Era evidente que a explosão de inovações na política, nas artes, nas religiões, na academia, enfim, no país todo gerasse certa condescendência e expectativa nacional pelo novo, justamente porque o país estava em reconstrução. Um desses momentos históricos em que o país se assemelha à uma assembleia constituinte de rua (como ocorrem em momentos de choque nacional, numa revolução ou numa catástrofe de grandes dimensões). O PT foi um depositário de grande parte destas criações libertárias do período. Mas, a primeira experiência eleitoral do PT (1982) foi um fracasso e produziu uma arrumação interna, liderada por uma corrente recém-criada para este fim: a Articulação dos 113. Algo que não ocorreu no PSOL até o momento. 
Hoje, a situação é absolutamente inversa. Vivemos um refluxo de valores criativos e libertários. A sociedade está contaminada por certo revanchismo descontrolado, de todos contra todos, a raiva substitui a generosidade criativa e o egoísmo é uma fonte inesgotável de ações radicais e irracionais. Egoísmo que sustenta a formação de uma miríade de coletivos e estruturas comunitárias fechadas e autocentradas em suas pautas de natureza antropológica. 
Assim, a lógica pós-moderna do identitarismo tem um campo fértil do ponto de vista cultural e sociológico, mas está longe de constituir um elemento de uma inovação comum, justamente porque é ultraliberal, focado em valores exclusivistas dos coletivos pós-modernos que rejeitam tudo o que possa parecer um discurso único ou unificador. O micro é pregado como mais importante do que o macro, que se apresentaria como miragem doutrinária. Os grupos identitários fecham-se em si, como unidades antropológicas que nunca se aproximam. 
As outras correntes do PSOL parecem admirar a nova energia moral que receberam com tais coletivos pós-modernos, talvez imaginando que a soma levará à contextualização da sigla mergulhada - fatalmente, creem - nos novos tempos. Novos tempos que parecem embaraçar aqueles que chegaram primeiro ao PSOL.
Este é o caso do MES, Movimento de Esquerda Socialista, que tem Luciana Genro como expoente nacional. O MES é uma corrente trotkista, morenista, advinda da Convergência Socialista. Têm como uma das referências o ensaio "Atualização do Programa de Transição", escrito por Nahuel Moreno, em 1980. Certa leitura deste documento exacerba a dicotomia das possibilidades de ação de esquerda: ou revolucionária ou burocrática, donde todas outras possibilidades ou ações conjunturais definhariam aos olhos da esquerda (a despeito do autor sugerir situações contraditórias mesmo em relação aos estágios iniciais de uma revolução socialista). 
Quando debati com Luciana Genro na UNI-BH fiquei impressionado com a quantidade de vezes que citava (sem citar o autor das passagens), passagens inteiras da Revolução Permanente e do Programa de Transição. Textos importantes, mas que o excesso de citação me deixou a impressão de certo doutrinarismo já que, convenhamos, os tempos são outros e os desafios distintos dos anos 1920 ou 1930. Mas, evidentemente, este não é o problema essencial. O problema é que as posições da líder do MES passaram a identificar parte da esquerda nacional como uma vertente entreguista e mancomunada com setores empresariais e retrógrados (pior que a situação de burocratização de uma força de esquerda, portanto), de maneira que não restaria nenhuma outra alternativa que o isolamento purificado do PSOL. 
Estas duas correntes - o identitarismo e o morenismo - a despeito de terem fortes divergências teóricas e conceituais entre si, passaram a ser a face mais visível do PSOL no último período. E, sem perceberem, caíram na armadilha que desejavam superar: o institucionalismo. Nada mais anacrônico na política nacional. Tanto o MES, quanto os identitários, passaram a ter no parlamento e nas eleições seu principal foco de atuação. Aliás, já comentei que há um problema original no PSOL que é a dificuldade de sustentar uma articulação interna hegemônica e dirigente estável. Sua principal força interna é aquela que tem sucesso e projeção na última campanha eleitoral, passando dos católicos e lideranças carismáticas de classe média (fase Plínio de Arruda Sampaio e Marcelo Freixo), pelos trotskistas (fase Luciana Genro) e identitários (emergentes a partir das últimas eleições municipais). 
Assim, o PSOL patina na sua própria imaturidade, o que lhe dá chance de sair do terreno movediço na medida em que acolher seu amadurecimento. 
O PSOL, enfim, parece inconscientemente querer reeditar a história original do PT, num momento histórico distinto e sem a recomposição interna ocorrida em 1982 naquele partido. A colcha de retalhos ou a federação de correntes (pouco convergentes em termos programáticos e teóricos) também foi um sonho original do petismo, tanto que criaram um método de tomada de decisão que denominaram de "consenso progressivo", desaguando em reuniões sucessivas e intermináveis até que se chegasse a algum acordo interno. A própria corrente Articulação (cujo filhote atual é a corrente majoritária CNB) se organizava em "famílias", termo para didaticamente ilustrar as subcorrentes definidas por organizações quase autônomas ou representações corporativas (bancários, professores, entre outros) que competiam entre si com candidaturas e teses próprias. 
O PSOL parece confiar que é possível retomar o Paraíso, desconhecendo o pecado original como parte desta mesma história. 
Este é o motivo para esta agremiação, promissora até pouco tempo, parecer apartada do debate nacional e das principais disputas em curso em nosso país. Em todos os grandes temas - da crise institucional à crise do governo Temer, do ataque da extrema direita à liberdade artística às projeções das eleições de 2018 - o PSOL não figura como referência nacional, embora tenha quadros para tanto. 
Há algo a ser analisado nesta "história circular" que o PSOL parece alimentar.

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