Primeiro, pela tendência à retomada de um tema que os americanos abominam, nessa fase atual de disfarçar seu imperialismo expansionista em "defesa de direitos humanos". A questão da tortura comprovada em Guantánamo vai retornar à pauta, num tribunal que se instala justamente em Guantánamo. Ou seja; atentado grave à dignidade humana em Cuba, é o que se realizou com cobertura legal - dos governos Bush e Obama - precisamente na área da Ilha controlada pelos ianques.
Segundo; em plena campanha eleitoral, volta à pauta a honestidade de propósito nas promessas de campanha. Obama havia prometido extinguir o presídio montado em Guantánamo, e a trazer o julgamento para os tribunais americanos. Recuou, não só por pressão republicana, mas também de alguns de seus pares "democratas". O que comprova o seis por meia-dúzia da americanalhização da política. Republicanos e Democratas, duas faces de uma mesma política.
Ao fim e ao cabo, quem terá interesse em transformar a denúncia em pizza? Sem dúvida, serão os algozes torturadores, impossibilitados de ocultar as atrocidades que cometeram em Guantánamo, e nas demais prisões secretas, distribuidas por países cúmplices em vários continentes, cumprindo ordens da Departamento de Estado à CIA.
Tortura ameaça tornar-se tema central no julgamento de Guantánamo
Os cinco acusados pelos crimes de 11 de Setembro de 2001 recusaram declarar-se inocentes ou culpados, tiraram ostensivamente os auriculares dos ouvidos, interromperam a audiência para rezar e negaram constantemente a legitimidade do tribunal. Num único tema eles se manifestam com clareza: o protesto contra as torturas de que se dizem vítimas. O processo poderá durar vários anos.
A audiência, ontem realizada no tribunal militar de Guantánamo, durou nada menos de 13 horas. Os cinco acusados adiaram para data futura uma eventual declaração de inocentes ou culpados sobre o homicídio de 2.976 que se calcula terem perecido nos atentados de 11 de Setembro. Se se provarem as acusações, os cinco podem ser condenados à morte.Boicote dos réus ao tribunal A leitura da acusação durou de duas horas e meia. Quando o coronel James Pohl, que preside ao tribunal, começou a dirigir perguntas aos cinco réus, estes retiraram os headphones e recusaram-se a escutar. Por vezes, abstinham-se de responder ás perguntas e liam o Corão quando estas lhes eram dirigidas.
Noutros momentos, ouviram perguntas feitas pelo juiz, mas recusaram-se a responder. Foi o caso, nomeadamente, da pergunta sobre se consideravam a sua defesa bem entregue aos advogados civis e militares que os representam.
Por vezes, os réus saíram da sua reserva e manifestaram-se ruidosamente, como sucedeu com Ramzi Binalshibi, que gritou a certa altura, segundo citação de Al Jazeera: "Vocês vão matar-nos e dizer que cometemos suicídio". Numa outra ocasião, quase no fim da sessão, o réu Walid bin Attash interrompeu um protesto da sua advogada sobre os maus tratos infligidos aos presos, rasgando a camisa e exibindo cicatrizes do que dizem ser ferimentos causados pelos seus carcereiros norte-americanos.
Julgamento dos atentados ou da tortura? No balanço global da sessão, foi este o tema que se tornou central e que, tudo indica, num processo que se anuncia longo de pelo menos um ano, pode vir a ofuscar os atentados de 11 de Setembro.
Tal como a advogada de bin Attash, o advogado David nevin, que representa o principal acusado, Khalid Scheich Mohammed, afirmou, segundo citação de DER SPIEGEL, que o seu cliente fora "submetido a intensa tortura durante anos". Aí foi também afirmado que todos os réus haviam sido raptados pela CIA, internados em prisões secretas e torturados nesses locais.
Khalid Scheich Mohammed passa por ser o "cérebro" dos atentados, que terá proposto a ideia a Bin Laden e dele obtido, finalmente, a aprovação. No processo, ele revela-se pelo menos como o mais elaborado dos cinco réus, tendo começado, em audiência de Janeiro de 2009, por afirmar que considerava bem vinda uma eventual pena de morte e pedindo até a sua rápida execução; mas mudando agora, visivelmente, de estratégia, no sentido de fazer prolongar um julgamento caótico, que contribua para desacreditar os julgadores.
A estratégia de apostar num julgamento interminável é indissociável dessa outra, de colocar o tema da tortura no centro das sessões. Assim, cada vez que os réus sejam confrontados com alguma confissão ou documento assinado por eles, é de contar com o tipo de resposta já esboçado nesta primeira sessão: que todas as assinaturas lhes foram extorquidas sob tortura.
É bem conhecida a divergência entre as Administrações Bush e Obama sobre o que se define como tortura, considerando a primeira o waterboarding (submersão da cabeça do preso em água) como método legítimo de interrogatório, ao passo que a Administração Obama passou a considerá-lo tortura e a proibi-lo. A contradição reside em ser agora um tribunal instituído sob a Administração Obama que vai julgar o caso e se verá com falta de provas sempre que invocar assinaturas obtidas por esse método.
Khalid Scheich Mohammed podia, assim, ter pressa em ser executado em tempos, ainda, de Administração Bush, mas prefere agora um processo longo, em que cada dia lhe permitirá trazer novamente à baila denúncias de tortura que, com os seus próprios critérios, a Administração Obama não pode deixar de admitir como certas.
Juristas críticos sobre o processo Steven Kay, um especialista de direito criminal citado por Al Jazeera, comenta a este respeito que "declarações obtidas por coacção não podem ser usadas como prova (...) Receio que todo o assunto tenha ficado fora de controlo desde que George Bush introduziu os julgamentos militares. Se os americanos tivessem ido pelo caminho impo e ortodoxo ao lidar com estes suspeitos de terrorismo, e se tivessem usado um sistema de justiça coerente, racional e baseado em princípios sãos, não estariam metidos no sarilho em que estão agora".
Na verdade, a Administração Obama já anteriormente tentara passar a jurisdição do caso dos tribunais militares para os civis, mas vira essa tentativa cair vítima de uma maioria hostil na Câmara dos Representantes. Com a tentativa caíra também a promessa eleitoral de Obama, de encerrar a controversa prisão de Guantánamo.
O procurador responsável pela acusação, Mark Martins, tivera de reconhecer também as irregularidades do processo, numa improvisada conferência de imprensa de cerca de meia hora, em que garantiu que iria ignorar todas as confissões obtidas sob tortura. O processo torna-se um factor de embaraço para Obama, numa pré-campanha eleitoral em que teria preferido apresentar um registo de direitos humanos em mais clara ruptura com o consulado de George W. Bush.
Perfeito como sempre Mílton, belo trabalho. Abraços,
ResponderExcluirLaerte