Paulo Passarinho- 21/03/13
Chávez saiu da
vida e entrou para a história, em um momento extremamente delicado para as
experiências em curso, na América Latina, de superação da herança neoliberal,
decorrente das reformas antinacionais implementadas nos anos 1990.
A delicadeza do
atual momento se relaciona às dificuldades econômicas que a crise internacional
coloca para os nossos países, e, também, pela permanente pressão e influência
da política externa dos Estados Unidos, em nossa região.
De uma forma
genérica, os governos que emergiram a partir do final da última década do
século XX em boa parte dos nossos países, com vitórias eleitorais contra os
defensores das mudanças de figurino liberal, procuraram, sob o ponto de vista
econômico e social, reagir aos desequilíbrios existentes com o fortalecimento
ou criação de programas de transferência de renda aos setores mais pobres de
nossas sociedades.
Afora as
peculiaridades do posicionamento político de cada um desses governos, todos
eles assumiram posições reformistas, frente à tragédia social que mergulhou
milhões de latino-americanos em mais pobreza e miséria. Do reformismo conservador
de Lula ao reformismo revolucionário de Chávez, essa estratégia foi facilitada
pelo fato de todos os governos terem se aproveitado da expansão do comércio
internacional, que beneficiou os países da região, exportadores de commodities.
O
conservadorismo dos governos pós-2002 no Brasil se traduz na manutenção de todo
o arcabouço jurídico-institucional do processo de contra-reformas iniciado por
Collor e consolidado na era FHC, além da continuidade das linhas mestras da
política macroeconômica – imposto ao país no acordo com o FMI, em 1999 – e,
ainda que em ritmo mais lento, das privatizações.
Já o reformismo
revolucionário de Chávez não se baseou em mudanças estruturais da economia
venezuelana, com transformações substantivas no padrão de distribuição de renda,
produção e propriedades do país. Apesar das nacionalizações realizadas e do
início de um processo de reforma agrária ainda muito tímido, o vigor
revolucionário teve como lastro uma engenhosa estratégia voltada para a
transformação do quadro institucional do país, em prol de um maior protagonismo
popular. Esta é com certeza a maior virtude do legado de Chávez.
Desde a sua
primeira campanha à presidência, Hugo Chávez sempre deixou claro o seu objetivo
de refundar a república venezuelana. Ao assumir, e referendado em um
plebiscito, convocou uma Constituinte exclusiva, livre e soberana, que
rebatizou o país como República Bolivariana da Venezuela, em consonância com o
espírito de liberdade e fortalecimento da cidadania e do poder popular,
encarnados na nova Carta. Além dos três tradicionais poderes, a verdadeira nova república criou dois outros: o
Eleitoral e o Cidadão, permitindo entre outras inovações a inédita cláusula
constitucional do mecanismo do referendo para a continuidade ou não de um
mandato executivo, em meio ao seu exercício, desde que amparado em manifestação
formal de um percentual mínimo definido de eleitores. Aboliu o Senado e ampliou
os poderes das Forças Armadas e do presidente da República. E, acima de tudo,
não temeu o conflito com os segmentos conservadores e muito poderosos do seu
país.
Mas, a herança
propositiva de Chávez, para a criação de uma nova institucionalidade, não se
limitou às fronteiras da sua Venezuela. Coerente com os melhores sonhos de
Simon Bolívar, foram propostas e criadas novas instituições voltadas para uma
verdadeira integração latino-americana. Integração que se afaste da inspiração
do “livre-comércio” e se funde na solidariedade continental, através de
políticas coordenadas por nossos Estados Nacionais, para enfrentar e superar
estruturas que concentram renda, riqueza e poder em torno de corporações
multinacionais.
Instituições como
o Banco do Sul, o Conselho de Defesa da UNASUL e a Telesur são exemplos que
demonstram que existem caminhos alternativos extremamente importantes e
plenamente viáveis. Contudo, essas foram iniciativas que esbarraram
especialmente, para a sua plena realização, no reformismo conservador vigente
no Brasil.
A proposta mais
complexa e abrangente para o Banco do Sul, por exemplo, defendida pelos
“bolivarianos”, o concebe como uma instituição com três diferentes funções
básicas.
Primeiramente,
como um banco de fomento continental – não condicionado pelo interesse das
multinacionais, mas por definições relacionadas ao desenvolvimento interno dos
nossos países, voltado ao combate das desigualdades. Um banco coordenador e
potencializador de uma rede de bancos de desenvolvimento estatais, orientados
para um novo modelo de crescimento. Uma segunda dimensão do Banco do Sul o
situaria como um embrião de um banco central latino-americano - instância de
reservas cambiais da região e instrumento de defesa dos nossos países, em
relação às instabilidades financeiras de caráter externo. E uma terceira função
do Banco do Sul estaria relacionada à perspectiva de convergência de nossos
países para um sistema monetário comum.
Essas
proposições sempre encontraram fortes resistências no governo brasileiro, seja
pelo comando de Lula ou de Dilma. O caminho trilhado por nosso país não aposta
em uma integração regional desse tipo. O governo brasileiro é hoje – inclusive
com a forte ação do BNDES – um poderoso articulador dos interesses de
multinacionais, de origem brasileira e estrangeira, que enxergam o mercado
latino-americano pelas lentes do “livre-comércio”, além de ser particularmente
sensível às pressões dos Estados Unidos.
Com relação a
essas pressões, encontra-se em curso, por exemplo, negociações entre a
Secretaria de Comércio dos Estados Unidos e o Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior – sob a coordenação direta do ministro Fernando
Pimentel – visando uma proposta de acordos bilaterais entre o Brasil e os Estados
Unidos, nas áreas de serviços, investimentos, transportes e tributos. Conforme explicitado
pelo próprio ministro, a proposta é que a elaboração desses acordos possam ser
discutidos “sem a necessidade de aprovação dos membros do Mercosul”.
Com essa realidade,
é evidente e explicável que a proposta bolivariana para o Banco do Sul não tenha
encontrado maior apoio por parte do Brasil. Assim como, ao restabelecer um
acordo militar com os Estados Unidos, durante o segundo mandato de Lula, e ao
boicotar a veiculação da programação da Telesur em nosso país os governos
pós-2002 em nada procuraram fortalecer o que de melhor poderia ser
desenvolvido, a partir do Conselho de Defesa da UNASUL e de uma rede televisiva
de comunicação de massa em nosso continente, alternativa aos oligopólios
privados que dominam esse setor.
Porém, o legado
das propostas institucionais e transformadoras de Chávez aí está. Esperamos que
o amadurecimento das lutas populares e de novas lideranças - que superem a ação
da esquerda que sucumbiu no Brasil, pela nefasta influência do lulismo - tenham
a capacidade de transformar o que é hoje um sonho em realidade palpável.
21/03/2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário