No artigo que se segue, o economista e radialista Paulo Passarinho (apresentador do Faixa Livre), disseca as razões da pouca eficácia que as medidas pretendidas por Dilma possam ter na contenção dessa, vaga especulativa. Mostra como as opções macroeconômicas privilegiando, no Brasil, os maganos do dito "livre mercado", geradas no neoliberalismo da década de 90, e mantidas pelo lulopragmatismo, criaram raízes difíceis de serem removidas, sem mudanças estruturais que o atual governo certamente não tomará.
Tsunamis
Paulo Passarinho
Dilma
Rousseff e Guido Mantega reclamam do tsunami financeiro, provocado
pelas sucessivas emissões monetárias dos europeus para salvar os seus
bancos. Os dirigentes brasileiros se preocupam com o processo de
valorização do real frente ao dólar. Acham que a culpa vem de fora e
especialmente da torrente de euros que as injeções de recursos
financeiros, promovida pelo Banco Central europeu, provocam, na medida
em que uma parte dessa imensa massa de recursos procura oportunidades de
aplicações em países como o Brasil.
Luiz
Aubert Neto, presidente da Abimaq - Associação Brasileira da Indústria
de Máquinas, denuncia, por sua vez, o tsunami de importados, pois, com o
dólar barato – consequência da maciça entrada de recursos estrangeiros
no país e da inevitável valorização do real – comprar bens finais, peças
ou equipamentos no exterior passa a ser um melhor negócio do que
produzi-los internamente. A resultante dessa história é a chamada
desindustrialização da economia brasileira.
Dilma
e Guido também têm com o que se preocupar com os “importados”: a
velocidade com que as despesas com importações de bens evolui, acaba por
consumir boa parte das receitas de exportação do país, reduzindo o
saldo comercial. Esse é um processo muito negativo para o Brasil. Com
saldo comercial diminuto, o prejuízo de nossas transações com o exterior
se amplia. Além de vender e comprar mercadorias no estrangeiro, o
Brasil tem um enorme e crescente prejuízo com os serviços transacionados
pelo país. A remessa de lucros e dividendos, o pagamento de juros,
fretes e de viagens impõem despesas muito maiores do que receitas
obtidas por empresas e pelo setor público nessas rubricas.
Em
2002, por exemplo, o saldo comercial do Brasil foi de US$ 13,1 bilhões e
a conta de serviços nos deu um prejuízo de US$ 20,7 bilhões. Isto
implicou um déficit de nossas transações correntes de US$ 7,6 bilhões.
Já em 2006, o saldo comercial alcançou a cifra recorde de US$ 46,5
bilhões – graças à demanda chinesa, principalmente. Resultado mais do
que importante, pois a conta deficitária de serviços já havia naquele
ano alcançado US$ 32,9 bilhões (crescimento de 58,9% em relação a 2002).
Apesar, portanto, da conta crescente e negativa dos serviços, ficamos
no “azul” em nossas transações correntes com o mundo.
Esse
comportamento das contas externas do país, ao longo do mandato de Lula,
ao menos até a crise de 2008, foi importante. A margem de manobra do
governo se ampliou e o país passou a apresentar taxas de crescimento um
pouco melhores do que no período de FHC. Com um pouco mais de
crescimento, o aumento da arrecadação fiscal permitiu a ampliação dos
recursos destinados aos programas de transferência de renda aos
miseráveis (“cuidar de pobre é barato”, segundo Lula), deu continuidade à
política de reajustes reais do salário mínimo, com importante impacto
também no valor do piso previdenciário e, principalmente, viabilizou a
redução dos custos de captação de recursos externos, por bancos e
empresas brasileiras.
Aproveitando-se
do diferencial da taxa de juros e da melhor condição de risco do
Brasil, pegar dinheiro lá fora e aplicar aqui no Brasil virou um grande
negócio. A ampliação do mercado de crédito no país, por exemplo, em boa
medida foi possível graças a essa situação das nossas contas externas.
Os
dividendos políticos capitalizados pelo governo foram imensos. Apesar
do vertiginoso crescimento do endividamento do país, provocado por esse
modelo econômico, os resultados obtidos são superlativizados –
especialmente pela mídia dominante, defensora arraigada da política
econômica. Endividamento da União, através da dívida pública;
endividamento externo – em dólares e euros - de empresas e bancos; e
endividamento das famílias, com crediários e outras formas de
financiamento.
Crescimento
econômico pífio, em comparação com os países da América do Sul e os
ditos emergentes; deterioração espantosa dos serviços públicos ou a
patente incapacidade das instituições políticas darem respostas a
problemas estruturais do país – da corrupção endêmica à Justiça que
somente alcança aos ricos, com raríssimas exceções – parecem ser
problemas inexistentes.
O
problema é que tudo indica que esse transe em que nos encontramos terá
um fim. A crise de 2008, longe de ser uma marolinha, mudou completamente
aquele quadro de uma melhor situação das contas externas do país. O
saldo comercial despencou e o déficit da conta de serviços chegou, agora
em 2011, a mais de US$ 82 bilhões.
O
país volta a depender dos recursos especulativos dos estrangeiros e da
venda de ativos ao capital externo para fechar as nossas contas
externas. Por isso, as reclamações de Dilma ou de Guido devem ser
relativizadas. Com relação ao presidente da Abimaq, suas reclamações são
mais do que justas. De fato, com a inevitável entrada de produtos
importados, finais ou intermediários, dada a valorização do real, o
processo em curso acarreta não somente desindustrialização, mas, uma -
mais forte, ainda - desnacionalização do parque produtivo do país.
O
grande dilema é que Dilma e Guido são reféns políticos do modelo
econômico dos bancos e das transnacionais, afinal, o principal fiador do
badalado governo Lula e da própria eleição da primeira presidente do
Brasil. As mudanças, por exemplo, para deter o processo de valorização
do real – que vem de longe, diga-se de passagem – são muito limitadas e
sempre atrasadas. Para o presidente da Abimaq, seus problemas são mais
complexos. Conforme ele mesmo já admitiu, seus pares, empresários,
conhecem muito bem o setor, possuem estruturas logísticas de
comercialização de máquinas e equipamentos no país muito bem
estruturadas, e não encontram muitas dificuldades em vender bens
importados pelo país afora. Se não bastasse, ainda têm a alternativa de
aplicações financeiras muito bem remuneradas pelo mercado financeiro,
alimentadas e respaldadas pelo negócio da dívida pública.
Resumindo:
com o pacto político que viabilizou o modelo econômico da abertura
financeira e comercial do país, e que reúne políticos que vieram da
esquerda e se somam à velha direita, e com o decisivo apoio de bancos,
transnacionais e da mídia dominante, fica muito difícil acreditar em
mudanças substantivas, necessárias, mas, até o momento, inviáveis.
22/03/2012
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